domingo, 27 de maio de 2012

Pequenos nadas



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As relações de amizade assumem um papel estruturante e preponderante na vida de todos nós. Porém, muitos doentes crónicos,   sentem dificuldade em integrar-se num grupo, sobretudo em situações em que as suas eventuais limitações possam ser algo de destaque ou atenção por parte dos outros.
Culturalmente, em Portugal existe uma correlação obvia entre comida e amigos, o que por vezes salienta uma fragilidade que queremos manter num plano de maior reserva... Na verdade, não existe uma receita para abordar estes assuntos, o segredo passa por abordar estes assuntos com a necessária naturalidade, tendo também em consideração o que os outros sentem e pensam.
Muitos doentes tendem a ocultar a sua condição deixando nos outros uma margem de incerteza que lhes dá pouca segurança no modo como devem interagir.
Os verdadeiros amigos gostam de nós pelo que somos, e conhecer as nossas limitações poderá ser uma forma de se sentirem mais à vontade na interacção connosco.
Abordar o assunto  de uma forma compreensiva passa por falar abertamente deste tema mostrando disponibilidade para esclarecer todas as duvidas quando os outros manifestarem essa curiosidade, mas tendo a sabedoria necessária para não tornar o assunto o certo da conversação e do convívio.
Quando nos convidam para um "patuscada" não é estranho que nos perguntem o que podemos comer... Caso a refeição seja  num restaurante, haverá certamente na ementa algum prato compatível, se a refeição for em casa de amigos, há sempre possibilidade de levar algo  que possamos comer e partilhar com os demais conviveres.

Às vezes os pequenos detalhes fazem toda a diferença… parece-me particularmente importante, por isso deixar aqui algumas dicas, que não são mais que pequenos nadas que fazem toda a diferença, a todos aqueles que connosco convivem.
- Não insistam com um doente caso não ele não queira comer ou beber algo,
- Não tentem ser policias do doente mesmo quando se apercebem que estão a consumir exageradamente algo que poderá ter efeitos imprevisíveis ( advertir é permitido, mas é muito chato quando alguém está constantemente a reparar no que estamos a comer e como o fazemos)
- Quando um doente começa com dores ou outros sintomas, deve ser-lhe dado o espaço necessário, a supervisão adequada, direccionando a atenção e o tema de conversa para outro ponto. Talvez esta dica seja a mais difícil, mas passo a explicar:
Espaço = significa espaço físico, casa de banho acessível se necessário, com privacidade (meninas, nada de querer fazer companhia, ok?)
Supervisão = Significa estar alerta sem estar sempre a perguntar “estás melhor?”. Estar atento a eventuais situações de desmaio ou de aflição declarada, para as quais seja evidente a necessidade de intervenção médica.
Direccionar a conversa para outro tema = Significa que nestas situações pouco há que os outros possam fazer para ajudar e geralmente o doente pede aquilo de que necessita. Quando se age e foca a conversa e a interacção noutros assuntos, retira-se o foco de atenção do desconforto sentido pelo doente, que passa também a estar mais distraído minimizando o seu próprio desconforto (certamente que já toda a gente se sentiu pior quando alguém lhe disse que estava pálido ou com má cara)
- Aceitar a iniciativa do doente em levar comida feita ou seleccionado por si para um encontro de amigos e provar sem quaisquer preconceitos
- Se o convívio se efectuar em torno de uma refeição, tentar fazer algo com condimentos e ingredientes que uma criança de 2 ou 3 anos pudesse comer sem problemas (churrasco é sempre uma boa ideia, sem pimentas ou picantes)

- Surpreender o amigo doente com pequenos gestos. Tendencialmente os doentes apreciam coisas que apelam à sensibilidade e criatividade sem serem necessariamente muito complexas ou caras,
- Tratar o doente com afectividade alegria e naturalidade não o excluindo e respeitando quando este manifesta indisponibilidade.

Nunca é fácil lidar com uma condição que se desconhece e com sensações que  dificilmente se compreende… mas  ser amigo também  é conhecer a magia do respeito pela diferença e isso por vezes significa conhecer estes pequenos nadas que significam tanto!


terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Mudanças

Após uma prologada ausência eis-me de volta com a promessa de tentar publicar alguma coisa… sempre que encontre um bocadinho disponível… (esta partilha é sempre um ponto de equilíbrio importante)
Hoje optei por falar-vos um pouco de algo que gera stress e ansiedade e necessariamente afecta o bem estar dos doentes com DII, a forma como lidamos com as mudanças.
Creio já ter reflectido em anteriores momentos a importância de equilíbrio na vida dos doentes com DII. Se isto é verdade, é igualmente verdade que saber dosear e organizar os vários aspectos da nossa vida é complicado e exige uma forte capacidade de gestão do tempo e dos recursos. Quando esta gestão tem que ser feita em conjunto com a aprendizagem de novas tarefas ou adaptação a novos contextos tudo tende a complicar. Dá-se o nome de resiliência à capacidade de adaptação a novos contextos.  Consideram-se mais resilientes os que se adaptam com maior facilidade, e menos, aqueles em que a adaptação à mudança resulta em maior prejuízo pessoal, ou seja, demonstram menor capacidade de adaptação.  
Embora não haja impossíveis, e uma boa dose de humor e relaxamento ajude, é certo que a vivencia de um ou vários processos de mudança simultâneos, não é tarefa fácil, e por vezes, só damos conta da dificuldade quando os outros reparam que andamos com “um ar abatido”.
Descanso a menos, comida fora de horas, à pressa e de qualidade duvidosa, falta de tempo para relaxar…
Não devo ser a única… mas por vezes tenho a sensação que embora durma não consigo verdadeiramente repousar… mantendo-me imersa nas mil e uma tarefas e coisas novas, prioridades, responsabilidades…
A verdade é que quando o desequilíbrio se instala e nos deixamos consumir pelas coisas que não conseguimos controlar os sintomas da doença tornam-se evidentes e impossíveis de dissimular. Depois já vamos atrasados… e tomar medidas exige deixar de lado coisas importantes… exige “desligar a ficha” e assumir que algo ficará por fazer.
Nos dias que correm, com a falta de emprego, tendemos a estar “sempre bem”… mesmo que tal não aconteça; fazemos horas a mais, mesmo que ninguém nos peça; esquecemo-nos de nós, mesmo quando os outros não nos agradecem; deixamos o prazer para gozar no fim  e acabamos por não o fazer… com uma facilidade nunca antes vista! Pensamos por vezes que o importante é agarrar a oportunidade, doa a quem doer (e dói-nos sempre bastante!).
A experiencia mostrou-me ser um erro. Acabamos por deixar que a dor se instale, que o organismo se desregule e passamos a ter um problema, que queríamos ver adormecido, exposto aos olhos dos outros…o que nos dá um estatuto de “fraquinhos” ou “frágeis”. Ao tentarmos proteger-nos, e remediar o mal já instalado, acabamos por estar mais reservados e mais virados para o nosso interior, sem energia nem vontade para ser agradável com os outros. A sensação é de exaustão… acho que todos já passamos por isto! Cheios de culpa e desorientados lá passamos o dia a pensar em soluções possíveis, sem parecer haver nenhuma evidente. A qualidade do descanso é menor, a alegria de poder comer normalmente dissolve-se numa sopa de arroz com cenoura, ou num arroz com peixe pálido e sensaborão… já para não falar na bela maçã cozida.
Os que desconhecem a nossa condição e partilham a nossa hora de almoço, começam a reparar com estranheza… e aí surge a dúvida: Falar da situação com naturalidade ou simplesmente sorrir? Quando se assume a situação sem tabus, a tendência é falar sem reservas, explicando a DII de modo resumido sem grandes complicações. De certo modo, acreditamos que começa a ser bizarro dar a entender aos outros que nunca termos fome, ou não gostarmos de mil e uma coisas que têm a amabilidade de oferecer… “Olha trouxe para o nosso lanche um pastelinho de grão ou feijão”, “hoje fiz uma tarte com natas para comermos de sobremesa”, “prova lá este ou um bolinho (cheio de creme) ai é maravilhoso!”, “Come ao menos uma bolachinha de chocolate… se estás de dieta prova estas com fibras são espectaculares os meus intestinos funcionam que é uma maravilha com isto! Não gostas???”
Se dizemos que não gostamos, somos esquisitos, se dizemos que não nos apetece, insistem porque estamos magros, se estamos de dieta, lá vem a oferta da coisa com fibra, se temos uma doença… “entornou-se o caldo”!
A verdade é que, raro é aquele que compreende que falar do assunto DII de um modo insistente não é agradável e torna-se bastante redutor… É que existe mais em nós que o simples facto de termos uma doença crónica…
Numa tentativa de tentarem encontrar uma explicação para sentirem verdadeiramente pena de nós, as pessoas atacam-nos com perguntas, procurando justificar uma imagem que criaram de termos uma condição de “frágil” ou “incapaz”… numa tentativa de ajudar, sugerem coisas absurdas e soluções mirabolantes (que não damos credibilidade por sabermos da ausência de conhecimento sobre o tema por parte destas pessoas…).  Ao mostrarmos desinteresse deixamos os outros desconfortáveis e parecemos entrar num ciclo complexo que se autoalimenta.
Numa tentativa desesperada de por termo à situação, acabamos por explicar que estamos a ser bem tratados, temos só uns dias mais difíceis, mas tudo passa. Infelizmente com isto ganhamos apenas umas horas, no máximo até ao dia seguinte, altura em que alguém se lembra de perguntar: “ estás melhor?”. Haja paciência!!!
 A verdade é que quem está de fora, não lida bem com o assunto da DII, e quem o vive, não sabe como lidar com quem está de fora.
Lidar com os outros e a opinião dos outros e gerir a quantidade de informação que lhes oferecemos é um desafio adaptativo como qualquer outro. A solução aqui passa simplesmente por ser assertivo e dizer claramente quando não queremos falar sobre isso.
A adaptação implica regras, implica conhecer os limites, implica colocarmos a nossa saúde e bem estar acima dos interesses dos outros, implica saber parar a tempo, implica pedir ajuda e aceitar ser ajudado.
Embora não pareça, respeitar estas regras torna mais fácil a adaptação a processos de mudança… é sempre mais fácil medir os limites e não os ultrapassar do que gerir a adaptação á mudança após ter excedido os limites.
Quando não respeitamos o limite temos facilmente manifestações da DII que nos enfraquecem, obrigando-nos a parar e bloqueando a capacidade de brilhar junto dos outros… seremos vistos como frágeis, com fraca capacidade de resiliência, havendo um sentimento de frustração pela nossa incapacidade de corresponder ás expectativas que gerámos ao ultrapassar barreiras e limites.
Alguém um dia disse-me viver não custa, custa é saber viver… tenho-me apercebido que é capaz de ser verdade!